Por Orlando Rodriges – contato@ortv.com.br
No cenário digital contemporâneo, a promessa de liberdade financeira e autonomia por meio da internet tornou-se um mantra sedutor. Plataformas de vídeo, redes sociais, aplicativos de transporte, vendas online e marketplaces de conteúdo propagam a ideia de que qualquer pessoa pode “viver do próprio talento” e “trabalhar para si mesma”. No entanto, por trás desse discurso motivacional, escondem-se estruturas que, na prática, lembram as mais sofisticadas formas de servidão do século XXI.
Os sistemas de monetização online são, muitas vezes, moldados para prender criadores e prestadores de serviço em uma engrenagem que se retroalimenta. A remuneração é calculada por algoritmos opacos, cujas regras mudam sem aviso, tornando o trabalho imprevisível e a renda instável. O criador de conteúdo passa a ser refém de métricas como curtidas, visualizações e tempo de retenção — métricas que, mais do que medir qualidade, ditam o que pode ou não ser produzido.
A lógica é simples e perversa: quanto mais horas você dedica, mais a plataforma lucra. No entanto, seu ganho individual não cresce na mesma proporção. A pressão constante para “postar mais”, “produzir sem parar” e “seguir as tendências” se transforma em uma corrida sem linha de chegada, na qual o esgotamento físico e mental é quase inevitável.
Em muitos casos, as plataformas detêm controle total sobre o acesso ao público. Um simples ajuste no algoritmo pode invisibilizar anos de trabalho, reduzindo drasticamente o alcance de quem depende daquele canal para viver. É uma relação de poder desigual, em que o “empregador” não aparece, mas está presente em cada linha de código.
Assim como na escravidão de épocas passadas, existe aqui um controle sobre o tempo, a energia e a criatividade do trabalhador, embora disfarçado de oportunidade. A diferença é que agora a corrente não é de ferro, mas de dependência tecnológica e financeira.
A promessa de liberdade na economia digital muitas vezes se revela uma ilusão cuidadosamente construída. Em vez de emancipar, prende. Em vez de remunerar de forma justa, explora. No século XXI, a escravidão ganhou novas vestes: é pixelada, gamificada e hospedada em servidores na nuvem.
Orlando Rodrigues é escitor e presidente da ANEE – Associação Nacional dos Escritores e Editoras.
*Publicado originalmente na ORTVWEB – https://ortv.com.br/servidao-ao-servidor/
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